STF valida a Lei da Ficha Limpa
Por 7 a 4, Supremo entende que a legislação é constitucional e que políticos condenados poderão ter a candidatura barrada já a partir da eleição deste ano. Um ano e nove meses depois de ser promulgada, a Lei da Ficha Limpa foi considerada ontem constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As regras, que não valeram para as eleições de 2010, terão eficácia plena a partir da disputa municipal deste ano, em outubro. Com isso, políticos que renunciaram ao mandato para escapar da cassação ou que foram condenados por um colegiado de juízes, mesmo que antes da entrada em vigor das normas, ficam inelegíveis por oito anos.
O placar da votação ficou em sete votos favoráveis e quatro contrários aos dois principais dispositivos da lei: o que barra candidaturas de pessoas condenadas por um colegiado de juízes (etapa anterior ao julgamento final do caso); e o que previa que a lei atinge inclusive aqueles que renunciaram ao cargo político ou que receberam condenação antes de ela entrar em vigor, em junho de 2010. O STF decidiu, portanto, que a Ficha Limpa não fere os princípios constitucionais da irretroatividade legal e da presunção de inocência. Eles avaliaram que as normas de restrição à candidatura não são uma pena, mas um requisito para a participação da disputa eleitoral. “Uma pessoa que desfila pela passarela quase inteira do Código Penal, ou da Lei de Improbidade Administrativa, pode se apresentar como candidato?”, questionou o ministro Carlos Ayres Britto, autor do voto que fechou a maioria favorável à Ficha Limpa.
Quinta vez
Essa foi a quinta vez que o Supremo se reuniu para avaliar a Ficha Limpa. Em todas as ocasiões anteriores a decisão também havia sido apertada. Chegaram a ocorrer dois empates em cinco a cinco – quando o STF estava desfalcado de ministros que se aposentaram.
Desta vez, o impasse foi evitado graças ao voto da novata Rosa Weber. “No trato da coisa pública, o representante do povo, detentor de mandato eletivo, subordina-se à moralidade, probidade, honestidade e boa-fé, exigências do ordenamento jurídico que compõem um mínimo ético, condensado pela Lei da Ficha Limpa”, declarou Rosa durante seu voto.
Ontem, os ministros contrários à lei voltaram a criticar a pressão da opinião pública a favor da lei. “Não cabe à corte relativizar conceitos constitucionais atendendo a apelos populares”, disse Gilmar Mendes. No dia anterior, Dias Toffoli havia afirmado que a Ficha Limpa era uma das leis mais “mal redigidas dos últimos tempos”.
A legislação nasceu de um projeto de lei de iniciativa popular proposto pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), organização que reúne 51 entidades. O texto chegou ao Congresso em 2009 com o apoio de 1,6 milhão de assinaturas. Inicialmente, a proposta previa que uma condenação de 1.º grau já pudesse gerar a inelegibilidade, o que foi alterado na Câmara dos Deputados. Após ser aprovado por unanimidade na Câmara e no Senado, o texto foi sancionado em 4 de junho de 2010. E desde então vinha sendo alvo de questionamentos no STF.
Últimas eleições
Legislação teria barrado apenas 149 em 2010
Se a Lei da Ficha Limpa tivesse valido para 2010, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teria barrado apenas 149 candidatos em todo Brasil. No Paraná, oito políticos seriam impedidos de concorrer.
O nome mais famoso da lista no estado é o do ex-prefeito de Londrina e ex-deputado estadual Antonio Belinati (PP). Em tese, ele continua atingido pela Ficha Limpa porque já foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, em decisão colegiada, por ter acumulado os cargos de deputado estadual e de membro do Conselho de Desenvolvimento de Londrina, nos anos 1990.
De acordo com especialistas em Direito Eleitoral, o baixo número de candidatos que seriam afetados pela lei em 2010 não irá se repetir em 2012. “Estamos tratando agora de uma disputa municipal, com um número muito maior de políticos envolvidos. Será o grande teste da Ficha Limpa”, diz o advogado Luiz Fernando Pereira, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná.
Segundo ele, o primeiro impacto será uma corrida em busca de liminares. De acordo com a Ficha Limpa, candidatos condenados por um colegiado podem recorrer a uma instância superior, mas têm de aceitar que o processo passe a tramitar com prioridade (mais rapidamente). “Eles ainda poderão concorrer com liminares, mas o volume de concessão delas vai depender do comportamento dos tribunais superiores.”
Para o professor de Direito Eleitoral Guilherme Gonçalves, da UFPR, a Ficha Limpa será mais dura para os políticos com prerrogativa de foro, que são julgados nos tribunais superiores. “Agora o foro privilegiado se tornou uma armadilha. Apenas uma primeira condenação pode tornar um deputado federal, por exemplo, inelegível”, afirma Gonçalves.
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Cronologia
O caminho da Ficha Limpa, da origem até a decisão a favor da constitucionalidade da lei pelo STF:2009
Setembro – O texto original do projeto de iniciativa popular formulado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) chega à Câmara dos Deputados, amparado por 1,6 milhão de assinaturas (depois, o número chegou a 2 milhões). A proposta foi debatido por um grupo de trabalho com representantes de todos os partidos por 40 dias.
2010
Maio – Após várias divergências em debates e modificações que incluíram a necessidade de condenação por um tribunal colegiado para estipular a inelegibilidade (e não apenas a sentença em primeiro grau prevista na primeira versão), o texto é aprovado por unanimidade pelos plenários da Câmara e do Senado.
Junho – A lei é promulgada e passa a valer.
Setembro – O STF julga pela primeira vez a constitucionalidade da Ficha Limpa, no caso concreto de Joaquim Roriz (PSC). O então candidato a governador do Distrito Federal é alcançado pela lei por ter renunciado ao mandato de senador para fugir da cassação. O processo acaba empatado em 5 a 5. Roriz desiste da candidatura.
Outubro – O STF julga a inelegibilidade de Jader Barbalho (PMDB), que foi eleito senador pelo Pará. Após um novo empate em 5 a 5, os ministros decidem que a candidatura de Jader deve ser barrada pela Ficha Limpa, com base na decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que havia considerado a lei válida para as eleições de 2010.
2011
Março – Por 6 a 5, o STF decide que a Ficha Limpa não valeu para as eleições de outubro de 2010. A maioria interpretou que o texto fere o artigo 16 da Constituição, o qual estipula que mudanças na legislação eleitoral só têm eficácia se forem promulgadas um ano antes do pleito – o que não havia ocorrido.
Novembro – Os ministros começam a julgar três ações em conjunto que questionam a constitucionalidade da Ficha Limpa em vários pontos. Os processos colocam em discussão os conceitos de irretroatividade das leis e de presunção de inocência. Dois ministros votam pela validade da lei, Luiz Fux e Joaquim Barbosa. Mas o julgamento é suspenso.
Dezembro – O presidente do STF, Cezar Peluso, decide desempatar o caso Jader Barbalho, que estava impedido de assumir o mandato de senador. Peluso usa a prerrogativa do “voto qualificado”, pelo qual a decisão do presidente do Supremo vale como critério de desempate.
2012
Fevereiro – O STF retoma o julgamento suspenso em 2011, agora com o quadro de 11 ministros completo. Após dois dias de julgamento, eles decidem, por sete votos a quatro, que a lei é constitucional e passa a valer a partir das eleições de outubro deste ano.
Placar
Como votaram os 11 ministros nos dois principais pontos da Ficha Limpa:Inelegibilidade a partir de condenação por colegiado*
A favor
Carlos Ayres Britto, Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.
Contra
Celso de Mello, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e José Antonio Dias Toffoli.
Retroatividade da lei**
A favor
Carlos Ayres Britto, Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa, José Antonio Dias Toffolli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.
Contra
Celso de Mello, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello.
* Antes, portanto, da sentença definitiva.
** Para práticas cometidas antes da promulgação da lei (4 de junho de 2010).
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